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domingo, 16 de agosto de 2009

Fragmentos da miséria intelectual brasileira

Os trechos abaixo foram extraídos de um fórum de discussão na Internet (Viciados em livros - isso tem um forte significado!), o qual, em um de seus tópicos, aborda os livros da escritora de temática teen, Sthephenie Meyer. A discussão teve início a partir de uma postagem que colocava em questão a qualidade da literatura de Meyer, tendo espraiado para temas paralelos ao longo do debate. O ideal é acompanhar a discussão por inteiro no próprio fórum (não vou postar o link aqui, mas basta acessar o Orkut e procurar pela comunidade Viciados em Livros e entrar no tópico "Stephenie Meyer, uma referencial?") para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões. O que trago a seguir, é uma seleção de sentenças que, observe-se bem, pelo rumo tomado na discussão, revelam o perfil intelectual do brasileiro médio (preservei o texto original dos postantes). Ria, ou chore...

Ainda não podemos, em nossa própria voz, contrariar o público de Meyer, que ao meu ver são tantos, pelo fato de estarmos em um país desvalorizado quanto à literatura, e principalmente ao meio jovem; porém creio piamente que surgirão escritores com potencial de trazer aos jovens e adolescentes uma qualidade em romances de modo que se interessem mais tarde por escritores como William Shakespeare e Jane Austen. Ah, se lêssemos mais romances! - Esse é o criador do tópico, tentando transmitir uma ideia audaciosa através de uma escrita bem confusa. Note-se que ele tenta se imbuir de uma postura intelectual.

Eu mereço! - O primeiro post do tópico! (risos)

meu!!!
exite livros pra todos os gostos.. todos os estilos e pra todos momentos da vida de uma pessoa...
cada um é cada um...a maioria q leu Stephenie Meyer adorou.. e leu a serie toda!
por que nao???
muitos leem Stephenie e le classicos tbm. qual o preconceito???
o importante é ler algo.. ocupar a mente.. ativar a memoria .. a imaginação...
muito melhor do que ficar em frente da tv.. ou vendo bobeiras na net....
seja Stephenie ou Shakespeare!!!
cada um q cuide da sua vida!
cada um q escolha seus livros!!!

Adoro ler mas não gosto de ler clássicos, nem por isso me considero menos inteligente por isso.
Não li nenhum livro dela ainda, só comentários, mas acho que a gente deve ler aquilo que nos faz bem e se isso for Crepúsculo, que seja Viva la Vida.

Brasil nos faz ter esses pensamentos, bem compreensível. - Este é o criador do tópico. Ele foi bem...

Certamente a autora citada NÃO é um referencial, pois sua literatura passa longe, muito longe da qualidade dos clássicos. Não precisa nem de um clássico, se pensarmos em valores mais novos, como Philip Roth ou Milton Hatoum, Meyer parece uma anedota infantil. Tudo isso se levarmos em conta VALOR LITERÁRIO.
Por outro lado, por questões citadas ao longo do tópico, parece interessante que adolescentes se sintam atraídos pela leitura de Meyer. Como frisou um membro, fica difícil, de acordo com o atual estilo de vida e gostos do público dessa faixa etária, exigir que leiam literatura mais elaborada, sendo que nem o vocabulário deles pode ser qualificado de razoável. Vivo isso a cada dia, pois sou professor. Se os livros de Meyer despertarem algum gosto pela literatura, o que não deixa de ser possível, quem sabe os livros dela não estarão prestando um bom serviço? No mínimo, melhora-se o vocabulário, a escrita e a comunicação verbal. - Minha contribuição.

Acho que Mesk (criador do tópico) precisa aprender a escrever textos mais compreensíveis, sua crítica aos livros da Meier é uma bela amostra de pedantismo redacional e pseudointelectualidade literária. Ah, se tivessemos o hábito de escrever... nossos textos seriam mais claros! - Um membro que tentou dar toque mais sofisticado à discussão, embora eu não tenha concordado com ele em tudo.

E Paulo Coelho é outro que soube transformar suas experiências em livros populares, escrevendo de forma simples e atingindo as necessidades das pessoas de seu tempo. Com isso atraiu a ira dos pseudointelectuais. - O mesmo membro do post anterior. Ele foi mal...

Eu leio qualquer tipo de livro. Mesmo. Gostei da série Crepúsculo assim como gosto de vários outros livros que falam de coisas completamente diferentes. A Meyer soube escrever e acertar em cheio o tipo de leitura dos jovens de hoje em dia. Não que os jovens estejam certos em ler livros com histórias tão "banais", mas deixa a mulher escrever o que ela gosta e ganhar o dinheiro dela, ela não tá fazendo mal a ninguém. Simples assim. - Simples...

É popular porque alcança o povo, entendido como uma grande massa, mesmo que segmentada por faixa etária. Livros herméticos não alcançam o povo, só uma pequena classe de arrogantes pseudointelectuais. Esses pedantes só produzem obras-primas entre aspas, faltou colocá-las no post de ontem. Na verdade, são excrementos de literatura.

Só uma coisa óbvia, mas que nem sempre é entendida como tal, isto é, não é porque uma obra se torna best seller que isso faz dela algo de boa qualidade, pelo contrário, sobretudo no Brasil e na atual sociedade do espetáculo e da cultura de massa. - Minha contribuição, em resposta ao post anterior.

Meyer é ótima escritora porque conhece o gosto de seu público e sabe escrever como ele quer. Está plenamente sintonizada com seus leitores. É evidente que uma obra de Descartes não é desqualificada porque poucos conseguem ler. Também é fato que filósofos acham que só conseguem prestígio se escreverem de forma difícil, mas A Crítica da Razão Pura de Kant é obra fundamental da humanidade. O problema é esconder incompetência debaixo de linguagem pedante e falsa intelectualidade, coisa muito comum.

A acessibilidade, por si só, não garante qualidade, do contrário, o que pensar de um Pe. Antonio Vieira ou de um Alphonsus de Guimaraens?
Do mesmo modo, o rebuscamento, quando anódino, é uma lástima, vide pós-modernistas como Hayden White, Giles Deleuze, para não falar do superestimado Foucalt. - Eu, de novo.

Vorou papo de "intelectual" ... - Um dos membros, após verificar o rumo que a discussão vinha tomando...

Locke?
Descartes?
Maquiavel?
Kant?
Pe. Antonio Vieira? (de qual igreja?)
Alphonsus de Guimaraens? (que nome feio)
Quem são esses?
Acho melhor vocês lerem crepúsculo!
Melhor livro que eu já li em minha vida. - O mesmo membro do post anterior.

quem fica criticando qualquer escritor que seja, deveria escrever melhor e fazer mais sucesso que o alvo da ira.
Esse mundo é cheio de pseudos... pseudos sabedores de literatura, de cinema , de teatro. É gente que acha que só o que é clássico é bom... ou só o que ele gosta é bom. Tudo que cai no gosto popular é ruim...
Já faz tempos que certas coisas já deixaram de ser feitas só para os pseudos, elite etc e tals... hoje quem não escreve pra todo mundo ler, ou não faz filme-industria... I'm sorry... mas não vai conseguir ir muito longe não.
Graças a Deus, hoje em dia estão fazendo cultura e informação para todo mundo, para todos os gostos.
Se eu tivesse que me contentar em ler somente Locke, Kant, Maquiavel...leitura seria algo que não faria parte da minha vida e com certeza de GRANDE parte das pessoas!!!
Desde que desperte algum tipo de emoção: curiosidade, amor, ódio, tristeza, alegria seja Stephenie Meyer, Shakespeare, Carlos Drummond ou Paulo Coelho tudo tá valendo...depende do gosto de cada um. E feliz do que gosta de todos e não tem preconceito!!! - Eu não poderia ter escolhido outro excerto para encerrar o artigo! Lindo, não é mesmo?! É a cara do Brasil!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O peso dos dogmas e a libertação filosófica

A religião sempre foi e sempre será um assunto polêmico. Aqueles que se colocam como ateus, sofrem ainda hoje de forte preconceito, sem que a maioria dos crentes saiba que certas religiões não advogam a fé numa entidade criadora, primordial, onipotente e onisciente, com toda a contradição que esses dois últimos atributos implicam. Assim é o budismo, uma religião que está muito mais para a filosofia do que propriamente para uma questão de fé, daí minha inclinação e interesse pelos ensinamentos de Siddharta.
Religiões de revelação, tais como o cristianismo e o islamismo, me soam aterrorizantes, são autênticas prisões espirituais, uma vez que a carga de pecaminosidade que incide sobre o homem segundo seu corpo dogmático, não confere nenhuma possibilidade de construção espiritual ao crente. Resta a fé revelada e dogmática e aquele que não segui-la corretamente, está condenado à ira divina.
Essas religiões não servem às mentes inquisitivas, que buscam uma relação de interação com os mistérios, de forma que isso possa legar engrandecimento filosófico e espiritual. Deus, nas religiões reveladas, acaba se manifestando como um escape aos mistérios, uma entidade capaz de conceder o bem, caso o crente tenha uma postura de retidão religiosa. Já em caso da não obtenção da graça, fica o falso consolo de que "Ele sabe o que faz", "Ele quis assim", uma lógica perversa, pois Deus, por ser considerado acima de tudo, não permite a relação com nenhum mistério e, consequentemente, aquele engrandecimento filosófico espiritual inexiste. Assim, Deus é o próprio mistério. A mim não satisfaz, fica faltando algo.
Diferentemente da maior parte das tradicionais religiões de matriz judaico-cristã, o budismo traz consigo uma grande noção de responsabilidade individual, já que a pessoa deve procurar, a partir do diálogo com sua própria mente, a cessação, ou Nirvana, estado pelo qual se alcança a percepção da conexão de todas a formas de vida e, com isso, da impermanência e ao mesmo tempo da infinitude do Universo. É exatamente nesse sentido que a filosofia budista abre de modo inequívoco a possibilidade de engrandecimento espiritual. Ao contrário das religiões reveladas, o budismo ensina a busca da sabedoria, não fazendo pesar sobre ninguém pecados retroativos derivados de corpos dogmáticos que funcionam como tenebrosos sinais de alerta, sempre prontos a soar pelos "guardiões da fé".
O budismo não possui dogmas, apenas alguns princípios simples que auxiliam a fascinante jornada em direção ao Nirvana, dentre eles, o vegetarianismo, uma prática que, por preservar vidas, faz observar a conexão entre as criaturas sencientes e o consequente respeito pelas mesmas. É ainda por meio dessas práticas filosóficas que o budismo oferece uma relação muito mais saudável com os mistérios, porque nos ensina a não recuar diante deles, a não enquadrá-los em dogmas pré-fabricados, mas sim a encará-los com viés filosófico e espírito racional.
Experimentar o Nirvana é alcançar a mais perfeita e maravilhosa percepção de que somos todos uma única e grande entidade cósmica, é obter a compreensão de nossa finita existência individual, mas também de nossa infinitude enquanto partícipes de um processo de recriação que mantém o Universo. No momento mesmo em que se adquire a noção de que todo o Universo está interconectado numa flor ou num animal, seja ele um pequeno inseto ou um grandioso mamífero, o respeito à vida surge como consequência simples, clara e natural, respeito esse que nos responsabiliza pelo meio em que vivemos e que é parte íntima de nossa existência.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Princípios versus transformação

Vivemos em um mundo que se transforma cada vez mais rapidamente, ninguém duvida disso, ninguém deixa de sentir tal fato na própria pele. As tecnologias, que avançam à velocidade da luz, fazem com que o modo de vida das pessoas se altere em função delas, a globalização reduz tempo e distância a pó. Hoje em dia é possível realizar uma série de atividades que anteriormente demandavam horas, dias ou até mesmo meses, apenas apertando botões, sentado na poltrona, dentro de casa. Uma pergunta importante, levando isso em conta, é: até que ponto os princípios ficam abalados em um mundo tão diferente, no qual mesmo o presente se torna passado em questão de pouco tempo?
No vocabulário político, os termos "princípio" e "transformação" são normalmente tratados de
conservadorismo e revolução, respectivamente, ganhando assim conotação mais complexa, o que no caso não é algo positivo, uma vez que faz o problema se tornar mais espinhoso do que já é. Um esquerdista radical qualifica qualquer princípio de conservador sem se dar conta da imensa contradição que isso implica. Depois de consolidada a revolução, o que passa a ser um revolucionário? Um guardião da mudança, que zela pela própria transformação? Não, simplesmente um conservador da ordem que ele próprio estabeleceu!
É possível ainda bater na tecla da própria globalização, indagando a postura do radical de esquerda em relação ao mundo em que vivemos atualmente. Com tudo de novo que a globalização traz, sejam benefícios ou prejuízos, o globofóbico a condena totalmente, pois ela é uma expressão do capitalismo. Justo aquele que se diz revolucionário, se posta como um ferrenho opositor das mudanças! Obviamente, se coloca a questão do tipo de mudança que se está a defender, no entanto, poucas vezes isso ocorre no debate político. É corriqueiro observar um globofóbico vestir o traje mais conservador possível quando muitas vezes é pêgo vociferando contra tecnologias que ele mesmo faz uso constante e que nem mesmo o ogro mais tacanha seria capaz de negar a melhora de condição de vida que tal tecnologia traz. Afinal, um esquerdista é um revolucionário ou um conservador? Ficamos sem saber...
A bem da verdade, as mesmíssimas contradições são notadas em quem se intitula direitista. Muitos que se colocam nesse lado do espectro político defendem com unhas e dentes os dogmas do catolicismo, por mais incongruentes que sejam e são contrários a inúmeros avanços da ciência, ao mesmo tempo que são capazes de defender a devastação ambiental em nome do "progresso". Também não sabemos claramente se o direitista é conservador ou "progressista", como costuma dizer para escapar do epíteto de "revolucionário".
Como se pode notar, introduzir o matiz da política em questões que são em sua essência filosóficas, no mais das vezes não ajuda a obter uma resposta, só obscurecendo a capacidade de reflexão. Não tenho a pretensão de responder de maneira inteiramente objetiva ao problema que formulei de início. Isso fugiria mesmo ao âmbito das Humanidades, além do próprio fato de ser uma interrogação difícil para ser respondida de imediato.
De todo modo, penso que não existe, na realidade, uma oposição entre princípios e transformação, o que poria em xeque o título do artigo. No fundo, manter certos princípios, é condição
sine qua non se torna impossível compreender e lidar com as mudanças que vivenciamos a cada dia. Para qualquer radical, de um ou outro extremo do espectro político, a resposta à pergunta seria um SIM peremptório, pois pessoas assim pensam com base em sistemas unívocos que conferem pouco ou nenhum espaço de manobra ao indivíduo, isto é, num mundo transformado, no qual os tais sistemas entram em colapso, os princípios se arruinam junto com esse turbilhão. A lógica dos sistemas unívocos é sempre perversa, acaba com a previsibilidade das leis, opera a partir da intimidação e da vigilância e assim, torna impraticável a manutenção dos princípios, já que estes seriam uma arma contra a opressão. Como refletiu Hannah Arendt, totalitarismos buscam a supressão do que há de mais humano no Homem, isto é, a capacidade de reflexão e discernimento.
Os verdadeiros princípios porém, podem sobreviver aos sistemas unívocos, dando a quem os possui, capacidade de lidar com transformações que são positivas, ou manter postura crítica em relação ao que é negativo. Desse modo, por exemplo, vê-se com a maior aprovação os avanços da medicina ou da produção de novos materiais e novas formas de obtenção de energia, que são muito menos impactantes ao ambiente. Por outro lado, reprova-se com veemência a devastação da natureza ou a falta de tolerância e solidariedade, tão fáceis de se observar nos dias de hoje. Princípios sólidos, que independem de sistemas, ajudam ainda a distinguir posturas ideológicas críveis ou não. Sendo assim, condena-se inteiramente qualquer forma de racismo, conceito já desmentido pela ciência e que se traduz por um infundado desejo de manutenção de pureza biológica, como se o fenótipo determinasse traços de caráter. Reprova-se também o culto à ignorância comum em nossa atualidade, onde o conhecimento e a erudição são descartados até mesmo por quem deveria valorizá-los ao máximo, como professores universitários ou homens de estado.
Um materialista de plantão poderia estar pronto para desferir sua flechada venenosa contra o conceito de "princípio" o qual ele certamente qualifica invariavelmente de "abstração". Cabe colocar que esse conceito tem a ver com aquele "dever interior" o qual mencionei no artigo anterior. É uma questão ética, para a qual sempre vale a diferenciação fundamental entre o certo e o errado. O que sempre irá existir são coisas positivas e negativas. Sistemas unívocos saídos de pesados tratados como
O capital ou Minha Luta, é que se revelam abstrações perversas quando tentados na prática.