Protected by Copyscape Original Content Checker

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Boicote às empresas que patrocinam crueldades


A morte de um bezerro em Barretos foi mais um dentre os incontáveis episódios de crueldade de seres humanos contra animais. Mais um ato extremamente deplorável.
O uso de animais com a finalidade de divertir pessoas, mesmo quando não envolve crueldade, já pode ser reprovado do ponto de vista ético. Quando implica em sofrimento dos animais, o que de fato costuma acontecer com frequência, merece a mais veemente condenação. Vale lembrar que a Lei Federal de Crimes Ambientais 9.605/98, em seu artigo 32, condena todo aquele que "praticar ato de abuso e maus-tratos a animais domésticos ou domesticados, silvestres, nativos ou exóticos", com pena de detenção de três meses a um ano, e multa (a pena é aumentada de um sexto a um terço se ocorrer a morte do animal).
A prática do rodeio, exatamente por ser essencialmente cruel, já tem sido proibida em várias partes do Brasil, mas não existe ainda uma lei federal que se refira especificamente ao assunto ou que inclua os rodeios na Lei de Crimes Ambientais. Já passa da hora de fazê-lo, não há nenhum motivo justo e racional que não o recomende, muitíssimo pelo contrário.
Não é necessária uma análise minuciosa para que se chegue à conclusão evidente acerca do rodeio: uma prática atrasada, atroz e degradante, assim como as touradas, as rinhas ou qualquer outra coisa do tipo. São atos bárbaros e selvagens, feitos sob medida, por incultos para divertir incultos, só mesmo quem é capaz de enxergar diversão às custas de crueldade.
Tem sido crescente a quantidade de pessoas a se manifestar contra as crueldades impostas aos animais, o que revela uma evolução da ética e das consciências, porém, persiste também o outro lado, ou seja, a total falta de consideração em relação aos seres sencientes não-humanos. Aquilo que o budismo vem ensinando há milênios continua ignorado pelo discurso especista, uma forma rigorosamente falha de pensamento que, no fim das contas, não autoriza a defender nenhuma vida, nem mesmo as humanas, já que elas próprias devem permanecer imersas em sangue e violência num mundo que não se importa com o sofrimento dos animais.
O lobby de eventos como o de Barretos ainda é fortíssimo, por isso creio que a melhor maneira de começar a tentar reverter a situação e minar as bases que sustentam os rodeios deve vir da ação consciente do cidadão. Boicotar as empresas que patrocinam a crueldade é fundamental, o que, além disso, pode fazer com que essas marcas, aos poucos, comecem a ficar mal vistas por um contigente maior de consumidores. Isso levanta a possibilidade delas se verem forçadas a retirar o patrocínio. As empresas citadas abaixo são aquelas que patrocinam o evento desse ano em Barretos. O dever do cidadão ético e consciente é boicotar tais empresas e incentivar os outros a proceder do mesmo jeito. Faça sua parte!

ANTARCTICA
BRAHMA
CENTERPLEX BARRETOS
EDITORA TRÊS
FOGOS XINGU
GRANOL
HONDA
JBS-FRIBOI
MINERVA ALIMENTOS
NET BARRETOS
NORTH BARRETOS
REDECARD
SAVEGNAGO SUPERMERCADOS
SESI
TURISMO PELO BRASIL.NET
UNIFEB
UNIMED BARRETOS
UOL
VALTRA

* PS: caso alguém souber de mais empresas que patrocinam rodeios ou outras formas de crueldade, cite-as no espaço destinado aos comentários.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Locke incompreendido: lições para a historiografia brasileira


A filosofia do inglês John Locke (1632-1704) nunca foi corretamente compreendida no Brasil, país sem qualquer tradição liberal, muito menos influenciou quadros de nossa intelectualidade, salvo raríssimas exceções do fim do período colonial, - época sujeita a insurreições anti-lusitanas - como Hyppolito José da Costa e Frei Caneca.
No Brasil de hoje, a ignorância quanto às ideias políticas de Locke se traduz mais do que nunca na pejorativa, manjada e risível fórmula “filósofo da burguesia”. É claro que, como um liberal, o filósofo empirista defendeu a propriedade privada, condição sine qua non a criatividade, a dignidade e a liberdade humanas não poderiam triunfar. Tão evidente quanto isto, é também o fato de que sob o contexto das revoluções ocorridas na Inglaterra do século XVII, a burguesia teve como referência as poderosas argumentações de Locke contra os privilégios aristocráticos e as arbitrariedades absolutistas. Com a Declaração dos Direitos em 1689, o grupo burguês, que já representava o vanguardismo econômico desde o século XV, início das Grandes Navegações, conseguiu de uma vez por todas abolir o domínio político opressivo da monarquia absolutista anglicana. Estava aberto um caminho para a preservação da tolerância e das liberdades individuais, mesmo que o industrialismo do século XVIII não tenha atentado para tais direitos. Falha do devir econômico, não de Locke.
Usar os conceitos de modo rigoroso e contextualizado é de suma importância para que a história e as ideias não corram perigo de sofrer distorções. Os defensores das teorias holísticas, os mesmos que se comprazem em depreciar o pensamento de Locke, frequentemente fecham os olhos para a experiência vivida de muitos personagens, equívoco que quase sempre induz o público leigo a acreditar que um filósofo - a não ser que se trate de um materialista - nada mais é do que um lunático apartado do mundo, quando, na verdade, é o exato oposto disso. Na Inglaterra do século XVII, a burguesia não compunha uma classe social, o que pode ser atestado justamente em vista dos privilégios da nobreza, fundados na questão do nascimento. Os burgueses formavam um grupo, uma ordem estamental que encontrou no comércio seu modo de sustentação, já que os nobres detinham o poder político e viviam na ociosidade. Inicialmente, rei e burguesia estiveram aliados, embora isso não tenha sido comum na Inglaterra, como fora em Portugal ou na Espanha, algo que a Magna Carta de 1215 não deixa mentir. Ao longo do tempo, porém, com o fortalecimento do absolutismo monárquico, a aliança foi se tornando cada vez mais tênue ou resultando em aversão política e religiosa, como na Inglaterra. A burguesia só pode ser pensada como classe social no momento em que o capitalismo industrial se consolida e quando passa a haver total separação entre capital e trabalho, cerca de setenta ou oitenta anos depois da morte de Locke. Essa contextualização começa a colocar em xeque a visão classista que obedece à formulação “filósofo da burguesia”. No mínimo, deveria ser ressalvado que há uma mudança conceitual entre os séculos XVII e XVIII, mas os anti-liberais não se prestam a tal.
O pai de Locke lutou durante a guerra civil que terminou com a execução de Carlos I em 1649 e educou seu filho sobre os mais sólidos princípios puritanos, detalhe nada negligenciável para o entendimento do ideário daquele que pode ser considerado o fundador do liberalismo moderno. Após a decapitação do soberano, a revolução se desvirtuou e Oliver Cromwell passou por cima do legalismo liberal, implantando uma ditadura. Quando este morreu, os Stuart voltaram ao poder e o absolutismo foi restaurado. Somente quase três décadas depois, com a Revolução Gloriosa e a já citada Declaração dos Direitos, uma espécie de reedição da Magna Carta, é que o pensamento liberal enfim conseguiu vencer. “O rei reina, mas quem governa é o Parlamento”; respeitando a esse princípio, a monarquia parlamentar entrou em vigor. Até hoje o sistema político inglês funciona do mesmo jeito.
Não se pode esquecer o óbvio, ou seja, Locke repudiou a restauração dos Stuart, mas também -  e isso passa longe de ser obviedade para muitos - a ditadura de Cromwell. Na historiografia atual, o método nomológico-dedutivo tem predominado em ampla medida, o que leva muitos historiadores incautos e aprisionados pelo marxismo a acreditar que tudo em história só se sucede a partir de processos. Michael Oakeshott alertou que a história passou a dar lugar ao que ele chamou de política retrospectiva, algo como fazer a compreensão histórica se enquadrar em esquemas apriorísticos e ideologicamente moldados, seguindo leis processuais delineadas sobretudo em função de luta de classes e de bases materiais. Como Oakeshott é mais um autor marginal no Brasil, seu alerta passa longe dos ouvidos da maior parte de nossos historiógrafos, salvo, entre os mais conhecidos, por Evaldo Cabral de Mello e José Murilo de Carvalho, representantes contemporâneos da “tradição” confidencial e recôndita que remete a Hyppolito e Frei Caneca. Exatamente em vista da preferência quase religiosa do método processual, a Revolução Inglesa permanece interpretada por muitos como sendo um bloco sem possibilidade alguma de divergências internas, descaminhos, e reviravoltas. Nisso também, a correta compreensão da filosofia de Locke contribui para deixar seus detratores em situação bastante desconfortável.
No seu grande livro História do Pensamento Ocidental, Bertrand Russell lembrou que a essência do liberalismo é a liberdade, uma ideia portanto, livre de dogmas. Com brilhantismo, ele escreve ainda: “é triste constatar na nossa época, e talvez como resultado das catástrofes internacionais do século XX, que a maioria dos homens não tenha mais coragem de viver sem um rígido credo político”. Se no último quartel do século passado o pensamento ideológico entrou num certo ocaso, hoje ele parece ter voltado, assim, não é difícil entender porque a ignorância a respeito de certas filosofias, dentre as quais a de Locke, seja tão recorrente, principalmente no Brasil, país no qual o cheiro rançoso do pior marxismo possível insiste em não se dispersar. Por ser esta uma incompreensão tão notória e em função da forma pejorativa com que os ideólogos se referem não só a Locke, mas mais ainda ao liberalismo, demonizado à exaustão, transfigurado em “neoliberalismo” e associado com todos os males do planeta e com os problemas do capitalismo massificado, tudo que se tem aí é uma salada conceitual que não enxerga o âmago do pensamento liberal. Mais uma evidência de que a velha esquerda não está autorizada a pensar em democracia e pluralismo, dois valores que combinam bem com a liberdade.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O economicismo chega às periferias inglesas


“Os homens são induzidos a acreditar que, de maneira maravilhosa, todos se tornarão amigos de todos, especialmente quando escutarem alguém denunciando os males que estão ocorrendo agora nos Estados, (...) supostamente originados pela posse da propriedade privada. Tais males, no entanto, derivam de causa diferente - a maldade da natureza humana". (Aristóteles - Política, 1263b, II)

“A sociedade não pode existir a menos que um poder controlador sobre a vontade e o anseio seja estabelecido em algum lugar, e quanto menor for esse controle dentro da sociedade, mais deverá ele vir de fora. Está determinado na constituição eterna das coisas que os homens de mentes dissolutas não devem ser livres". (Edmund Burke - Carta a um membro da Assembleia Nacional)

A Inglaterra esteve sob caos na semana que se passou. Manifestações de extrema violência varreram áreas periféricas de cidades como Birmingham, Liverpool e sobretudo Londres, inclusive provocando grande quantidade de mortos e feridos. Fenômenos sociais como esse não chegam a suscitar estranhamento quando ocorrem em países subdesenvolvidos, onde são verificados com frequência mais constante, mas sempre despertam surpresa em se tratando de nações desenvolvidas.
Perante essa situação, as explicações de vários intelectuais vêm à tona, compondo não aquela miríade de análises que poderia atribuir as causas dos acontecimentos a uma gama variada de motivos, como na época de Platão e Aristóteles, Tocqueville e Marx, ou mais recentemente, nas polêmicas entre Aron e Sartre, mas ao invés disso, com algumas tímidas variações, apontando diretamente para o fator econômico, para a globalização que, como se agisse tal qual um sujeito histórico concreto, porém dotado de poderes supra humanos, fosse capaz de calar a voz de outros atores sociais excluídos pelos processos globalizantes. Assim entendida, a globalização não pode assumir nenhum tom dissonante, a riqueza do debate se exaure e apenas um único pensador sintetiza o cerne das discussões levantadas por praticamente todos os outros.
É fácil isolar a economia e eleger o vilão global do capitalismo financeiro, uma vez que a impessoalidade dessa análise exclui o fator humano e faz com que a argumentação se encaixe perfeitamente nas lacunas da linguagem elíptica, receita fadada às abstrações e generalizações que rapidamente são tomadas como verdade inapelável, desnudada pela suposta isenção e olhar altaneiro, acima das brumas da alienação, trazidas a público pelos pensadores de esquerda, mas que a “burguesia” insiste em não querer enxergar, pois isso foge aos seus interesses mesquinhos e imediatistas. Se as explicações dessa extensa lista de analistas, que vai do propagandista charlatão Michael Moore, passa pela superficialidade de um Chomsky e chega até o rebuscamento de um Bauman ou de um Zizek, estiverem certas, temos uma contradição básica, isto é, os defensores da globalização se recusam a atentar para aquilo que lhes colocará um fim. Armadilha da ideologia burguesa...
Quem foram aqueles que alguma vez procuraram investigar porque um monge tibetano condena atos violentos? Sim, os preceitos budistas, mas o que os levaria a agarrar a fé com tanto esmero? Quem explica o fato de que no Japão a modernidade e a tradição estão juntas e em todos os lugares? Quais os fundamentos antropológicos, culturais e filosóficos dessa conciliação? Como um norueguês, habitante de um país riquíssimo, imerso na prosperidade, que nem mesmo faz parte da UE e distante do turbilhão que parece abalar as estruturas contemporâneas, pôde cometer atos brutais de terrorismo? Essas indagações parecem não ter conexão com o tema aqui tratado, mas se examinadas com atenção, podem nos indicar a variedade e a complexidade da experiência humana, algo que não se reduz ao economicismo anti-globalização.
O fenômeno da globalização tem sido interpretado única e exclusivamente como a expansão do capitalismo financeiro e, ainda que seja impossível negar o domínio cada vez mais abrangente das corporações no controle da economia e a concentração do capital, o que, diga-se de passagem, está na contramão da competição, do empreendedorismo, da livre iniciativa e do respeito às leis, elementos fundantes do capitalismo, não se pode desprezar o componente cultural que envolve a questão. Os analistas que citei anteriormente não hesitam minimamente em considerar que a globalização homogeiniza as culturas, mas se, tomando um exemplo, a tecnologia que conheceu avanço inigualável com a revolução tecno-cientifica, aspecto da própria globalização, permite que manifestações culturais advindas dos mais remotos cantões do planeta sejam conhecidas por boa parte das pessoas, onde quer que elas estejam, se ainda, num nível mais pragmático, o comércio livre entre nações possibilita troca de mercadorias típicas, essas também um dado cultural, então não se tem aí um lado culturalmente heterogeneizante da globalização? Um quarteto de cordas tailandês tocando em território suiço, o Cirque du Soleil, surgido no Canadá, se apresentando mundo afora, a presença do Museu para Arte Africana em Nova York, são apenas alguns exemplos de que a globalização não é tão niveladora de diversidades como querem alguns.
Assim como o aspecto heterogêneo do mundo de hoje pode ser observado em termos culturais, também a análise de certos fenômenos requer caráter de especificidade. Muitos daqueles que dirigem seus esforços para denunciar uma suposta homogeinização cultural fruto da globalização, condicionam suas próprias análises a uma homogeneidade intelectual. A  socióloga norteamericana, Saskia Sassen, mais uma que bem pode entrar para o rol dos “oeconomia rebus tantum”, chegou a afirmar que as manifestações inglesas são comparáveis aos protestos observados nos países do Oriente Médio, levadas a cabo por pessoas exclusas pela globalização e pelo clamor de "voz política". Se ela buscasse explicações livres de abstração, estaria preservada de cometer tamanha impropriedade. No Oriente Médio havia uma claríssima agenda política pró-democrática motivada por regimes ditatoriais em total descompasso com a modernidade. Os manifestantes, em sua maioria, eram jovens fazendo uso de tecnologias cujo acesso lhes foi proporcionado pela globalização. O que a censura de déspotas arcaístas, anti-ocidentais e anti-globalização lhes negava, eles foram buscar naquilo mesmo que os ocidentais de esquerda, a exemplo da dra. Sassen, demonizam. Quanto à onda de violência nas periferias inglesas, não foi obra de pobres excluídos pela globalização, mas sim de criminosos enfrentando a polícia, como muitas vezes já ocorreu em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Não foram manifestações de gente excluída, mas de quem busca se incluir paralelamente, na clandestinidade. Se, como Aristóteles já destacava desde o século IV a. C., política tem a ver com debate, argumentação e participação pública, características que preveem inserção regrada, fica difícil defender que ações como a da última semana possam desejar algo dentro desse contexto. O que é paralelo e clandestino, ainda que possa ser clamoroso em certo sentido, não pode, indubitavelmente, ser entendido como político. É uma situação que levanta críticas bastante justas, já que faz atentar para a ausência do poder público britânico, no entanto, se define como uma questão de falta de assistência social localizada, muito mais do que de processos globalizantes mundiais, muito mais antropológica e sociológica, do que econômica. Mark Duggan era traficante de drogas, não reivindicava a qualidade de agente político, não procurava agir como cidadão. Nas palavras de um morador de Tottenham: “ninguém aqui precisa de emprego para ganhar dinheiro, todos sabem como o tráfico traz rendimento". Fosse alguém falar de globalização com esses caras, eles mandariam o interlocutor arrumar o que fazer. Fosse transmitir a eles a necessidade de agir dentro da lei, ou de estudar e buscar oportunidades, ou ainda de lutar política e civilizadamente por elas, estaria o mesmo interlocutor correndo risco...
Edgar Morin, filósofo bem mais sofisticado do que os apocalípticos do Ocidente e do capitalismo, ainda que um crítico de muitos dos problemas atuais, defende que a compartimentação do conhecimento turva o olhar e impede uma correta compreensão da esfera contemporânea. É uma postura que serve de alerta para o economicismo anti-globalização, incapaz de interpretar questões humanas a partir de um viés antropológico e ligado à interioridade, como o fizeram os filósofos cujas citações abrem este artigo. Todavia, mais do que a interdisciplinaridade proposta por Morin, às vezes ela mesma causadora de confusões, creio que o mais indicado ao invés do ideologismo economicista, é a análise dos fenômenos baseada nas disciplinas que sejam pertinentes a eles mesmos.

domingo, 7 de agosto de 2011

Aluno de bom gosto, diretora preconceituosa



Nesta semana, durante a leitura de um blog, me deparei com a seguinte notícia: http://ironmaidenflight666.blogspot.com/2011/08/aluno-advertido-por-ser-fa-do-iron.html. Tem-se aí um exemplo típico de uma situação de resolução muito simples, mas que foi tornada uma tempestade devido ao despreparo e ao preconceito da diretora.
Um aluno batendo na carteira como se ela fosse uma bateria enquanto a aula era ministrada. Bastaria que o professor lhe advertisse, já que a atitude se mostrava inconveniente para o momento e, caso ele insistisse, que lhe desse um ponto negativo ou passasse uma lição extra. Dificilmente a coisa teria chegado à diretoria. Ainda assim, a própria diretora poderia resolver a questão com bom senso se conversasse sobre a atitude inconveniente sem entrar no mérito do gosto musical do garoto, que nada tem a ver com o fato de bater na carteira. Fico imaginando o que a diretora faria se, ao invés de Rock, ele estivesse “tocando” outro ritmo qualquer.
É difícil para muitas pessoas analisar as coisas de um ponto de vista simples, nem por isso menos elegante. Apreciar um determinado estilo musical porque ele agrada o sentido auditivo do ouvinte, ou porque permite analisar a perícia técnica de um músico são absolutamente recorrentes, mas a mania pseudointelectual de pensar a arte a partir de um enfoque sociológico em ocasiões cotidianas, leva no mais das vezes a embaraços desnecessários.
A notícia do caso revela que a diretora não tem a mínima noção a respeito do Rock para ter agido de tal modo preconceituoso, usando de distorções e inverdades numa clara tentativa de causar terror psicológico no garoto e lhe incutir uma lavagem cerebral (no mesmo blog pode ser lida também uma entrevista com o menino Marcelo Corrêa Carvalho contando sobre o episódio). Quem estiver livre de manter preconceitos, observados muitas vezes em programas como Malhação ou nas atrações feitas para um público adolescente em acelerado processo de idiotização, estes sim desprovidos de qualquer mensagem positiva, jamais incorreria no erro grosseiro de enxergar adoração demoníaca, magia negra, ou seja lá qual superficialidade do tipo em bandas de Heavy Metal.
Enveredar por um caminho sociológico de análise da arte, mais especificamente da música, pode ser espinhoso se o sujeito da análise não tiver conhecimento de causa. Em termos paradoxais, esta diretora seria obrigada a admitir que há prejuízo e negatividade em estudar história, mitologia grega, ler contos de Edgar Allan Poe, poemas de Samuel Taylor Coleridge ou ficções de Aldous Huxley, temas presentes nas letras do Iron Maiden e de outras bandas do gênero. Desconhecimento, preconceito e subjetivismo, combinação fadada à incongruência que logo levaria a ilustre diretora ao despautério de pensar que tudo pode conter potenciais elementos negativos. Aquele que estiver enredado numa lógica totalizante desse tipo, logo não poderá ouvir Wagner, porque sua música serviu de trilha sonora para o Terceiro Reich, tampouco poderá estudar Santo Agostinho, já que sua obra foi usada por inquisidores, logo, cairá numa paranoia absurda.
Para aqueles que sustentam visão estereotipada a respeito do que não conhecem, - como esta diretora ou como André Forastieri, polemista de análises rasteiras - fruto de influência recebida por meio do senso comum e dos modismos, resta lhes informar que a cultura de boa qualidade pode ser encontrada em lugares bem além de suas vãs impressões, algo que um garoto inteligente de oito anos já sabe. Que tenhamos mais Marcelos e menos gente tacanha.