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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Bibliografia 2011


Hoje em dia o mercado editorial brasileiro apresenta lançamentos quase diários, o que torna impossível ao leitor tomar conhecimento sequer de um terço daquilo que chega às livrarias, seja em função da quantidade ou do preço de um livro no Brasil, salgado muitas vezes. A pessoa acostumada à leitura é inevitavelmente obrigada a selecionar títulos que lhe sejam mais atraentes ou úteis, como eu mesmo venho fazendo há cerca de dez anos, momento a partir do qual passei a ler com mais frequência. Seleciono a seguir, pois, três ou quatro livros que julgo terem sido os melhores de 2011 na área de Humanidades, assunto que perfaz 80% de minhas leituras.
No mês de abril li Américo: o homem que deu seu nome ao continente, do historiador inglês Felipe Fernandéz-Armesto, (Companhia das Letras) uma biografia ágil e envolvente do navegador florentino. Fernandéz-Armesto chegou a um resultado nem sempre factível no gênero, isto é, a compreensão de um contexto amplo a partir do personagem histórico individual, perspectiva entre micro e macro reservada somente aos historiadores de talento. A descrição analítica da Florença renascentista é riquíssima e capaz de transportar o leitor até o berço do Renascimento. No fim, descobre-se um Vespúcio distante do lugar-comum que ainda predomina no Ensino Básico.
Logo após o livro de Fernandéz-Armesto mergulhei na leitura de A estranha derrota, (Zahar) do grande Marc Bloch, um dos monstros sagrados da historiografia em todos os tempos. Há muito esperava-se uma edição brasileira deste clássico que ajudou a estabelecer os Annales, a escola historiográfica mais profícua e criativa que se tem até hoje. Na obra, Bloch faz jus a seu reconhecimento como historiador da longa duração e das mentalidades, explicando a rápida derrota da França na Segunda Guerra Mundial a partir de elementos profundamente enraizados na mente e na cultura do povo francês. A análise é reveladora do atavismo burocrático na França, bem como do drama pessoal de Bloch que, como historiador, sempre enxergou as causas da derrota, pouco podendo fazer todavia, como soldado, para modificar a impotência francesa diante do dinamismo alemão.
Em agosto foi a vez de Os redentores, do historiador mexicano Enrique Krauze, (Benvirá) obra composta por pequenos ensaios biográficos (nem tão pequeno no caso de Octavio Paz) de personagens que marcaram o pensamento político e cultural da América Latina desde o final do século XIX. O título do livro, segundo o próprio Krauze, refere-se ao fardo contido na ideia de salvação, praticamente um fantasma que povoou e permanece povoando o pensamento não só das figuras analisadas pelo autor, mas de tantos intelectuais latino-americanos, muitos deles levados à ilusão das paixões revolucionárias. O mérito de Krauze, além obviamente do trabalho documental e da qualidade do texto, é desmantelar mistificações como Che Guevara, Eva Perón ou Gabriel García Marquez, nomes ingenuamente cultuados na América Latina, apóstolos de ideias e regimes políticos incapazes de contribuir com desenvolvimento e liberdade. Lutando contra os demônios políticos que assaltam a mente de quase todos os homens que se propõem a pensar intelectualmente a América Latina, enfrentando com esmero e coragem as imposturas que seus próprios pensamentos insistiram em colocar no caminho e, finalmente, arrancados das quimeras utópicas por uma pujança de ideias continuamente construídas ao longo da vida, Mario Vargas Llosa e sobretudo Octavio Paz, que domina a maior parte de Os redentores, são os dois nomes que emergem com grande destaque na análise de Krauze. Homens que alcançaram a sobriedade e conseguiram se despir do fanatismo da redenção para defender “utopias” plausíveis: democracia e liberdade.
Por último, foi a vez de Lembranças de 1848, (Penguin-Companhia) do multipensador francês Alexis de Tocqueville. O título foi relançado no Brasil depois de muito tempo, mais do que merecidamente. Como ator político das jornadas revolucionárias de 1848, mas também como sagaz analista, Tocqueville brinda com louvor a seus leitores, embora ele desejasse que seus escritos permanecessem confidenciais, no mínimo até sua morte. Lembranças é uma espécie de autobiografia na qual Tocqueville expõe causas, efeitos e impressões pessoais a respeito de um período de turbulência na história da França. Ao contrário da maioria de seus contemporâneos, homens de um século no qual as teorias holísticas e a ideia de leis históricas obscureceram a compreensão dos fenômenos sociais, Tocqueville adiantou em mais de cem anos a nova história política, pautada nas contextualizações, nas visões de mundo dos sujeitos e nas suas ações cotidianas. Sem desprezar processos mais gerais, como a formação e as transformações de classes na França ou a estrutura administrativa desde a Idade Média, o autor traz à tona o turbilhão da política diária, destrincha com frieza e perspicácia assustadoras o espírito e as ideias do povo, de seus companheiros e adversários políticos, bem como dele mesmo. No complexo entrelaçamento entre causas gerais e específicas, entre estrutura, conjuntura e fatos pontuais, Tocqueville ilustra com vivos tons aquilo que outros pensadores do século XIX fizeram embaçar perante as névoas da abstração. Um livro útil, inclusive, para refletir sobre as mazelas políticas do Brasil atual, comparando-as com as da França oitocentista.

PS: Cabe uma menção honrosa ao livro Guia politicamente incorreto da América Latina, (Leya) de Leandro Narloch. A obra não tem seu valor pela pesquisa, já que se baseia em fontes secundárias, nem pela originalidade, pois traz ideias já conhecidas, pelo menos por aqueles que não se submetem a ideologias falidas. É válida, no entanto, por difundir ao público leigo verdades negligenciadas pelo pensamento esquerdopata que domina amplos setores das Humanidades em nosso continente. Em nível mais primário, Narloch destrói mistificações, assim como Krauze. Ainda que certas colocações do autor mereçam ponderações, eu adotaria o Guia tranquilamente como livro didático, de vez que se mostra muito mais crítico e isento de ideologizações do que mais de 90% dos manuais escolares destinados aos estudantes brasileiros e latino-americanos.

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