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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Lula, Maluf e o gramscianismo que dá as cartas no Brasil


E eis que Lula e Paulo Maluf estabeleceram uma aliança política para a campanha 2012 pela Prefeitura da cidade de São Paulo. E eis que muitas pessoas agora se vejam surpreendidas pelo fato. Mas por que tamanha surpresa? Porque quase ninguém entende nada a respeito do gramscianismo.
Faz já um bom tempo que a figura de Maluf é associada com aspectos negativos, tanto que o outrora político de várias vitórias eleitorais caiu no ostracismo. Daí justamente ele ter costurado essa aliança com Lula, uma tentativa de ocupar maior espaço na campanha do que permitiria o insignificante PP do qual é membro. A política brasileira não conhece escrupulosidade, nem o gramscianismo. Ainda que Maluf nunca tenha sido gramsciano, mas tão somente um retrógrado tacanha (jamais um conservador do tipo moral, o que o teria resguardado dos descaminhos políticos e da própria aliança com Lula), alguém que, lançando uso de um discurso progressista somente na aparência, conquistou ao longo do tempo um eleitorado igualmente tacanha, crente que basta abrir canteiros de obras para garantir o desenvolvimento de uma cidade, ele encontrou em Lula um instrumento sem igual no estabelecimento de diretrizes gramscianas e, assim sendo, um jeito eficientíssimo de se ajeitar no jogo de interesses que dá o tom da política no Brasil atual.
Nas décadas de 1980 e 1990, quando as ideologias partidárias eram bem mais definidas do que hoje, momento em que praticamente deixaram de ser verificáveis, Lula e Maluf estavam situados um do outro a uma distância grande no espectro político. Naquela época ambos não teriam se unido. Naquela época, Maluf ganhava eleições, Lula não. O tempo passou, Lula cumpriu dois mandatos na presidência da República, fez de Dilma sua sucessora no poder máximo da nação e, se a saúde permitir, volta para disputar o pleito presidencial de 2014, tendo chances enormes de obter o terceiro mandato.
Mesmo com todas as vitórias do passado, Maluf jamais poderia ter chegado sequer próximo da dimensão que Lula tomou. O que explica uma virada dessas? É evidente, embora nem sempre claro na mente da população, que nos últimos vinte ou trinta anos o cenário político brasileiro se transformou profundamente; o Brasil se tornou um país de massas culturamente ignorantes e, enquanto o PT encontrou a fórmula ideal para seduzí-las e tornar realizável um programa político essencialmente gramsciano e populista e, tendo chegado a isso, mantê-las sob seu jugo, Maluf permaneceu dormente e preso a um tipo de discurso completamente alheio a tudo aquilo que estivesse além das velhas classes A e B do período da ditadura e dos anos posteriores a ele.
Os partidos de direita que deram origem a figuras políticas como Maluf hoje não existem mais, a não ser em suas excrescências nanicas e tornadas fisiológicas. O grande erro da direita brasileira na esfera partidária sempre foi sua nulidade em termos filosóficos, o que condenou-a permanentemente à incapacidade de defender o tipo correto de conservadorismo. A esquerda se aproveitou desse grave lapso e passou a se vestir com o manto da santidade, dado que o conservadorismo tacanha, por não tratar de temas da modernidade, tais como ciência, tecnologia, meio ambiente, direitos das minorias e urbanização, pode ser facilmente acusado, muitas vezes corretamente, de alienado e preconceituoso. A esquerda procura vender o rótulo de "santa" até hoje, o oposto absoluto do que ela é, contudo, seu discurso gramsciano engana grande quantidade de gente. Mais ainda do que qualquer característica que manteve em seu perfil, a esquerda soube interpretar as mudanças na sociedade brasileira e deu o passo decisivo que lhe fez alcançar o poder maior no país. Do leninismo ao gramscianismo, o PT deixou de ser um partido de meros congressistas para se tornar a legenda que tornou Lula o que ele é hoje, o político mais influente do Brasil, aquele que é responsável por ditar os rumos da nação de 2003 para cá. Dos partidos de esquerda leninistas no Brasil, só restam nanicos, assim como ocorre com a direita, já na vertente gramsciana, cujo maior mentor intelectual é sem dúvida nenhuma o sr. José Dirceu, o PT se fortaleceu muito acima de todos os outros.
Conforme a sociedade brasileira foi se transformando mais acentuadamente nos últimos quinze ou vinte anos, as lideranças petistas começaram a descobrir que a linguagem direta e reta, mas ao mesmo tempo repleta de referências históricas e políticas do marxismo-leninismo, e a própria ideia de uma revolução comunista aberta e violenta não poderiam encontrar apoio das massas distantes dos grandes centros, tão diferentes de um proletário saído das descrições de Marx, quanto os gregos e troianos da epopeia homérica. Em uma sociedade de massas, contar apenas com a adesão de intelectuais uspianos e puquianos, de estudantes exalando hormônios da juventude e de uma classe de trabalhadores fabris também ela já bastante diferente do proletariado tradicional, significava renunciar à possibilidade de chegar ao poder. Era preciso seduzir o homem do sertão, o povo das periferias do Brasil afora, um estrato populacional inculto e sedento de migalhas, gente que jamais tomou conhecimento de qualquer coisa que Marx tenha escrito. O gramscianismo, apurado com altas doses de populismo latino-americano se fez o ingrediente certeiro na conquista das massas. Assistencialismo ao invés de revolução, metáforas futebolísticas no lugar de discursos pautados em questões teóricas e economicistas. O Brasil das massas é o Brasil das Cheias de Charme, é o Brasil de um certo escrete de Itaquera, ícone do establishment no quesito desportivo (qual política de dominação não requer um braço no esporte popular?!), é o Brasil do pão e circo.
Ao trazer Maquiavel para o campo do marxismo, Gramsci inverte a lógica da revolução, que não se faz mais de fora para dentro, com revolucionários armados nas ruas, mas de dentro para fora, com a classe política cooptada (da qual Maluf faz parte) e com o sistema institucional sendo destruído de maneira lenta e silenciosa, porém contínua; o fisiologismo, o apadrinhamento, a corrupção e as alianças espúrias são retrato fiel desse panorama. A imprensa livre, da qual sou defensor ferrenho, não teve peito suficiente - salvo raras exceções - para denunciar os objetivos do PT antes das eleições de 2002, quando ainda havia tempo, tampouco o PSDB pós FHC, perdido nas indefinições e limites de sua social democracia. Tanto um como o outro, em última análise, se deixaram dominar pelo respeito pusilânime ao politicamente correto e pelos resquícios de esquerdismo travestido de centralismo light de inúmeros de seus representantes. Lutar contra o PT hoje é bem mais difícil e a aliança entre Maluf e Lula, o comunicador messiânico de Gramsci, que "torna o real inteligível às classes subalternas", é só mais um capítulo dessa tragédia já bastante consolidada.

*PS: me caso no sábado, dia 23/06 e viajo em seguida; o blog ficará sem postagens novas por cerca de vinte dias ou mais; até a volta!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Impostolatria que só aumenta


Um leitor me pediu para comentar a matéria contida no link abaixo. É o que faço na sequência.


Devo afimar que não se trata de nada surpreendente, pois a medida configura-se tipicamente petista: uma tentativa estúpida de restringir o comércio aumentando os impostos, como se estes já não incidissem brutalmente, não apenas sobre produtos importados, diga-se de passagem, e fazendo uso do argumento protecionista.
O incentivo ao comércio jamais será defendido pelo PT, partido de claras intenções nacional-populistas. Se nem mesmo com relação ao pífio MERCOSUL, que muitas vezes é retoricamente enaltecido por Dilma Rousseff, o governo adota políticas econonômicas capazes de favorecê-lo, o que dirá no que se refere a transações comerciais difusas e fora do âmbito oficial, sobretudo quando envolvem o que a ideologia petista designa por "países ricos"? De resto, o básico é esquecido, isto é, uma maneira eficaz de incrementar a força da indústria nacional é submeter seus produtos à concorrência, contudo, o tema da competitividade lamentavelmente tem passado longe das discussões acerca da economia no século XXI, principalmente em países nos quais os ideólogos do atraso se encontram aos borbotões.
Não há dúvida de que o argumento protecionista, - protecionismo tal que Dilma critica às vezes com razão; pimenta nos olhos dos outros é refresco! - nesse caso não só não se aplica, como é também mais uma balela desse (des)governo. Se o objetivo é aquecer a economia nacional, reduza impostos e incentive o consumo saudável, já diz desde sempre o bê-abá econômico. O PT faz o contrário e, como poderia ser de outro modo se a intenção real dos mandatários é bancar o populismo assistencialista e os eventos desportivos de 2014 e 2016 financiados com dinheiro público, marca característica de todo governo autoritário?! Dois parênteses que vêm a calhar nesta discussão: primeiro, há anos o partido que detém o poder declara ter reduzido a pobreza, mas recentemente Dilma anunciou a ampliação dos ditos "programas sociais", o que é uma contradição; segundo, até pouco tempo o brasileiro perdia o equivalente a quatro meses de salário pagando impostos, estatística já absurda, ainda mais em face do retorno praticamente zero nos serviços prestados ao cidadão, porém, como se não bastasse, a coisa ficou pior; de acordo com pesquisa realizada pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), agora são cinco meses de rendimentos subtraídos pelos cofres governamentais. E há quem seja obrigado a vender o almoço para comprar o jantar achando tudo uma maravilha... morra-se com um barulho desses!
A produção industrial brasileira amarga números bastante ruins já não é de hoje, resultado óbvio diante de uma legislação trabalhista jurássica, quase por completar sete décadas de existência, de uma carga tributária sufocante e da carência criminosa de investimentos em tecnologia e logística. A correção destes problemas não seria nenhum bicho de sete cabeças se o país possuísse um governo decente, mas com este que está aí e com a catarse festiva do Zé Povinho, terei que continuar lançando mão do triste brado: É A CARA DO BRASIL!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Grafite a incoerência e seja um bobo descoladinho


Em pleno aguaceiro do feriado de Corpus Christi me deparei com um grupo de jovens trajando roupas de cores vibrantes e estampas floridas, um tanto quanto sujas, saídas diretamente da década de 1970. Debaixo de muita chuva, todos eles estavam grafitando o muro de um hospital público que ficou fechado por anos e agora está sendo reaberto; horas mais tarde passei novamente pelo local e notei que a singela manifestação artística havia sido terminada. Em meio a uma série de desenhos confusos, pude ler em letras garrafais: "nem capitalismo liberal, nem ditadura do proletariado, mas sim ao socialismo libertário". Pode até ser encarado como algo sem importância, como uma brincadeira de jovens ingênuos possuídos pela atividade hormonal e pouco atentos à diferença entre utopia e realidade, mas não há como deixar de refletir a respeito do desconhecimento histórico, político, econômico, filosófico e cultural que assalta a mente de jovens que provavelmente são estudantes de Humanas e que servem de amostra para o tipo de mentalidade predominante no interior das academias brasileiras.
O sociólogo de esquerda Zygmunt Bauman declarou recentemente que estamos vivendo uma profunda revolução cultural. Não sei exatamente o que ele quis dizer com isso, pois não indicou quais são as mudanças que observa, todavia, se existe alguma alteração de paradigmas no mundo de hoje, certamente não é no âmbito do pensamento político, no qual ainda se sente o cheiro rançoso do ópio marxista, misturado, é verdade, com certas aberrações, também elas afloradas no terreno da esquerda, o que no entanto não autoriza quem quer que seja a vislumbrar que está em curso uma revolução cultural. Desse modo, não deixa de ser significativo observar que nossos jovens floridos rejeitam o marxismo tradicional e não mais acreditam na ditadura do proletariado. Todavia, justamente nesse ponto temos uma incoerência que invalida o próprio pensamento de quem descarta Marx ao mesmo tempo que clama pelo socialismo.
Como entender o tal "socialismo libertário" dos grafiteiros? Seria o socialismo de um Graco Babeuf, que Marx e Engels classificaram pejorativamente como utópico? Pouco crível, dado que o ideário de Babeuf mal é citado nas universidades atualmente. Seria então uma concepção pós-moderna anti-capitalista advinda da Escola de Frankfurt e de Foucault? Mais provável, porém, essa linha de pensamento tem mais afinidades com o anarquismo do que com o socialismo e dá ênfase à ação individual ao invés do coletivo. É de se perguntar se há possibilidade de conceber o socialismo descartando Marx, já que foi a partir da obra do pensador alemão que a tradição esquerdista concebeu todo o seu programa político desde então. Embora Marx quase nada explique acerca do funcionamento da sociedade socialista, algo que chega a ficar bem mais claro em Babeuf ou Saint Simon, é ele a referência buscada em nove a cada dez vezes que se proclama o termo "socialismo". Em Marx, a etapa socialista significa a ditadura do proletariado, portanto, quem acredita em socialismo é mais autêntico se o proclamar com base no autor do Manifesto Comunista e de O capital.
Ninguém pode conceber o que é "socialismo libertário" por ser simplesmente algo que nunca existiu (e nem poderá existir), pois se trata apenas de um non sense político que beira as raias da comédia. Socialismo pressupõe necessariamente centralização e controle, logo, está na contramão do termo "libertário", este que podemos entender corretamente como "anárquico". O abismo entre Marx e Bakunin sempre permanecerá intransponível, conclusão que pode ser facilmente obtida por meio da leitura de Edmund Wilson. Não chega a ser um autor tão confidencial, mas em vista da incoerência dos grafiteiros, supõe-se com tranquilidade que nunca o leram superficialmente, sequer.
Aqueles que defendem a liberdade como o bem supremo da existência humana, os liberais da tradição humanista, jamais precisarão substituir o termo por alguma de suas deturpações, como "libertário". Libertarianismo é o mesmo que anarquismo, como expus anteriormente, uma concepção humanitarista que remete a Rousseau e ao caos que invariavelmente derivou de todas as experiências históricas que entendem a liberdade com um dom gratuito da natureza, pensamento radicalmente oposto à tradição humanista que inicia com Aristóteles no Ocidente, ou ainda bem antes no Oriente de Buda e Confúcio, aquela para a qual não pode haver liberdade que não seja necessariamente construída no âmbito da interioridade humana, atrelada à moral e à responsabilidade. Em última análise, o anarquismo, ainda que possa ser considerado bem intencionado a princípio, só pode levar ao inverso da liberdade. Mais uma incoerência dos nossos grafiteiros.
Evidentemente, não poderia faltar na manifestação dos grafiteiros descoladinhos o viés anti-capitalista, tampouco a incompreensão quanto ao liberalismo. Foram várias as ocasiões nas quais aqui mesmo condenei com veemência o capitalismo massificado que se tem visto nos dias de hoje. Justamente pelo fato de ele não ser nada liberal. Só a surrada ideologia da velha esquerda que representa o establishment acadêmico brasileiro pode assumir que o capitalismo atual tenha algo que permita associá-lo ao liberalismo. Atualmente o capitalismo liberal vigora somente na Grã-Bretanha, na Alemanha e na Oceania. Nos países nórdicos, antes que algum socialista desavisado queira fazer diatribes, ainda que o Estado seja atuante no que realmente deve ser, sobra campo de ação para as empresas. Nenhuma nação incluída dentre estas tem hoje papel de liderança máxima na globalização. Nos grandes pólos de poder político-econômico da atualidade, inclusive nos EUA das mega-corporações, o que se tem é a aliança de burocracias empresariais com o governo e com a classe política em geral. Trata-se de uma estrutura centralizadora que, assim sendo, não faz restar espaço para o empreendedorismo e para a competição, pilares da economia liberal. Ora, o que pode restar da livre iniciativa em um jogo que favorece o conluio entre corporações e poder estabelecido?! A economia atual preponderante pode ser caracterizada como um capitalismo de Estado, forma de organização muito próxima da centralização exigida pelo socialismo e totalmente distante da concepção econômica liberal. Sempre vale lembrar que liberalismo exige liberdade tanto na política como na economia.
No fim de tudo, é impossível saber qual o ideário político dos grafiteiros floridos, exatamente em virtude da completa falta de conhecimento que exibem e que os leva a tamanhas incoerências. Socialistas desejando liberdade: "casa de ferreiro, espeto de pau". Será essa a profunda revolução cultural que diz enxergar Bauman?! A que resultados pode levar o mais exacerbado non sense em matéria de história, política, economia, filosofia e cultura? Talvez não deixe aberta nem mesmo a possibilidade de grafitar muros. Sistemas autoritários não veem com bons olhos manifestações descoladinhas carregadas de hormônios juvenis.