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quinta-feira, 18 de junho de 2015

Futebol e sociedade no Brasil


O futebol pertence à esfera dos jogos e do esporte, sendo assim, uma atividade que, em primeiro lugar, deveria servir para fins de diversão, sem ir muito além disso. Comentar a respeito de futebol somente levando em consideração o lado esportivo não tem grande importância, pois é mero passatempo para preencher páginas de jornais ou para alimentar discussões enfadonhas em programas do gênero, mas como esporte mais popular no Brasil, ele resvala em aspectos significativos que perfazem o âmbito social em sentido mais amplo.
No programa Seleção Sportv da última terça-feira (16/06), o economista Sérgio Besserman foi o convidado especial para abordar o tema "futebol e sociedade brasileira". Fugindo de certo modo aos clichês típicos que costumam dar o tom a tais debates, a conversa passou por inúmeros assuntos transversais, inclusive tratando da questão que abarca a atual crise técnica do futebol brasileiro. A princípio, poderia ser uma discussão restrita ao caráter técnico e exclusivamente futebolístico, porém, ela foi tomada de modo um pouco mais aprofundado, desvelando conexões interessantes com o lado sociocultural. Ainda assim, em alguns momentos, fiquei com a impressão de que determinadas ideias, ainda que levadas a termo por especialistas, prontamente se revelaram disparatadas.
Muito se diz que as peladas de rua com "golzinho" de pedra quase não existem mais e, como consequência, dificultam o aparecimento dos garotos habilidosos, praticantes do chamado "futebol moleque", baseado no improviso e na irreverência. Reside nessa análise, a meu ver, um equívoco que, em parte, explica o contexto dos 7x1, ainda vigente após quase um ano do Mineiraço (no último jogo do escrete tupiniquim, atuação pífia e derrota por 1x0 para a Colômbia, que poderia ter feito mais).
É fato que as peladas de rua rarearam bastante em vista da violência, um dado patológico da atual sociedade brasileira, mas também devido a transformações históricas e culturais em relação às quais não cabe nenhum romantismo utópico. Hoje, os jovens passam horas jogando videogame ou navegando na internet, além do que, a maior parte deles vive em centros urbanos médios e grandes que, por diversos aspectos, não combinam com peladas de rua. Não há o que se fazer para mudar esse curso, nem deveria haver preocupação com isso, por outro lado, a construção de centros esportivos nas cidades é uma possível solução que, obviamente, não faz parte das políticas públicas no país. Há mais: nas escolas atuais, a prática esportiva regular e realizada com equipamentos de qualidade é muito mais frequente do que há décadas, até porque a quantidade de alunos matriculados aumentou ao longo do tempo, tendo o ensino de base se tornado universalizado. Se falta identificar os talentos e lhes proporcionar direcionamento, são outros quinhentos, mas não é porque garotos estão jogando bem menos bola na rua que a qualidade do futebol brasileiro escasseou tanto. Na verdade, o buraco é bem mais embaixo, isto é, em pleno século XXI, esporte, em sentido lato, ainda não é visto como cultura no Brasil.
Os grandes jogadores da história do futebol brasileiro, na imensa maioria dos casos, nunca primaram apenas pela habilidade e pelo improviso, ao invés disso, nomes como Leônidas, Zizinho, Ademir de Menezes, Didi, Nilton Santos, Djalma Santos, Pelé, Ademir da Guia, Zico, Falcão ou Rivaldo souberam como aliar disciplina tática, posicionamento, inteligência e domínio magistral dos fundamentos com fatores de ordem natural, como o dom. Acreditar somente em habilidade e improviso é um devaneio simplista, irracionalismo pós-moderno e, cada vez mais, em um futebol que exige perfeito ajuste coletivo, organização tática e versatilidade, pensar o jogo se torna essencial, o que, por sua vez, demanda treinamento e comprometimento. A Europa tem se destacado nesse contexto, bem como seleções sulamericanas de pouca tradição estão conseguindo desenvolver e melhorar substancialmente seu jogo pautando-se em tais parâmetros e conforme muitos de seus jogadores atuam em clubes europeus.
No vôlei, modalidade essencialmente indoor e predominantemente escolar, o Brasil tem obtido excelentes resultados nos últimos trinta anos. Nesse esporte, o treinamento e o apuro tático são pilares, enquanto isso, no futebol, ainda há quem continue batendo na tecla do improviso. Não seria profícuo utilizar conceitos do vôlei no futebol? Treinadores de futebol da base espalhados pelo Brasil, segundo informações dos próprios jogadores e de jornalistas que cobrem o assunto, não dão atenção ao trabalho com fundamentos - detalhe de suma importância que alçou à condição de mestres respeitados homens como Cilinho e Telê Santana -, resumindo-se basicamente à formação de jogadores cujo ponto mais forte é a marcação. A pobreza em termos de estudos e implantação de táticas é notória, bem como o amálgama entre talento individual e os aspectos coletivos que compõem a trama do jogo.
Histórica e sociologicamente, a mentalidade do brasileiro tem uma forte inclinação pela arrogância. No futebol, como em outras atividades, o ufanismo verde e amarelo faz com que muitos ingênuos acreditem que as coisas daqui são melhores, não porque houve esforço, em algum sentido, para que a excelência fosse atingida, mas em função de privilégios místicos, de um milagre brasileiro que escolheu o país para ser abençoado por Deus, pelos orixás ou por quaisquer outras entidades metafísicas. O futebol brasileiro está deitado há décadas sobre os louros do passado, o que se comprova sempre que vem à tona o surrado tema do "futebol moleque", como se uma condição fortuita e sem fundamentos técnicos pudesse se repetir ad eternum e sem nenhuma estrutura a lhe fornecer subsídios. Acordem! Estamos na era da informação, dos intercâmbios, da fisiologia, da tecnologia integrada ao esporte, elementos sem os quais é impossível obter alto rendimento. Além disso, se em outros países a formação do atleta é pensada sem desprezar valores intelectuais, importantes para entender a complexidade crescente em termos de táticas e outros aspectos comuns ao jogo, no Brasil, predominam os holofotes e a celebrização, dando aos boleiros, antes a conotação de popstars do que de esportistas.
No dia em que a arrogância e o ufanismo brasileiros forem colocados sob controle, se é que esse dia irá chegar, não só o futebol, mas também atividades mais importantes poderão alcançar resultados positivos, demonstrando a ocorrência do desenvolvimento que todos desejam, mas poucos fazem para alcançar.